Um ano depois

O tempo é uma coisa engraçada.
Um ano é isso aí: 365 dias e noites seguidinhos, uns dias faz calor, noutros faz frio, tem dia que chove e dia que é muito sem graça mesmo porque fica aquele abafamento cinza chato de poluição paulistana. Uma medida de tempo mais ou menos aleatória que envolve o cálculo da volta da Terra em torno do Sol, umas estações climáticas, luas cheias e marés. Há anos bons e anos ruins, e há anos como 2015 onde eu mal pisquei e acabou.
Um ano passa rápido quando você está ocupada.

In daylights, in sunsets
In midnights, in cups of coffee
In inches, in miles, in laughter, in strife
In five hundred twenty five thousand six hundred minutes
How do you measure, a year in the life?

Um ano atrás eu estava tão perdida. Eu estava na praia e chorava olhando pro mar, e tinha dias em que não chorava, e dias onde eu chorava só porque o mar era bonito e o sol estava quente.
Eu nem sabia, mas ali eu estava começando a viver de novo. Naqueles dias preguiçosos de sol e sal, entre um mergulho e uma ducha gelada, eu estava devagar começando a me mover. Começando a crescer de novo.
Crescer dói, mores.
Quando a gente cresce os ossos doem. Dói por dentro, uma dor esquisita, um desconforto atrás dos músculos, um esticamento de pele seguido de um estranhamento com os centímetros a mais que não estavam ali uns meses antes.
Demora pra crescer.
E depois de velha, acho que dói mais, ainda mais quando o que está crescendo são coisas quebradas, coisas que já estavam prontas e foram desmanchadas.
Dói demais botar os ossos no lugar de novo. Ainda bem que quando a gente consegue fazer isso direito, eles grudam de volta do jeito certo. Os meus parecem estar voltando direitinho.
it’s times like these you learn to live again
it’s times like these you give and give again
it’s times like these you learn to love again
it’s times like these time and time again
time
Ao longo desses 365 dias eu viajei pra lugares lindos, conheci pessoas novas, comecei em dois trabalhos diferentes, arrumei a casa, dancei até clarear, adotei mais uma gata linda, me aproximei de amigos, me afastei de outros, comecei novos projetos, voltei a cozinhar, parei de comer carne, tentei voltar a malhar mais de uma vez, fiquei absurdamente feliz, recebi boas notícias, recebi más notícias, fui a um casamento improvisado e a um funeral muito triste, vi filmes incríveis e li livros maravilhosos, comi o doce de chocolate mais gostoso do mundo, e agora no finzinho acho que tudo estava pronto pra que o final de ano fosse assim como vem sendo, ótimo.
Agradeço a todos os envolvidos.

When Gabi met Sally <3

Quando eu era criança, queria uma bicicleta rosa com cestinha. Todas
as meninas da minha rua tinham bicicletas cor de rosa. Mas meus pais
nunca me deram. Minha mãe explicou que não dava, a grana era curta e a
cecizinha rosa era cara. Eles me deram uma bicicleta vermelha, e
depois quando cresci tive uma outra azul-metálico, meu xodó, que se
chamava Eduarda, sei lá por quê. Andei horrores nessa bicicleta,
porque tinha a felicidade de viver num bairro tranquilo, uma vila,
onde dava pra andar pela rua sem medo.

Mas sonhava com a bicicleta rosa.

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De uns tempos pra cá, fui me aproximando muito de dois movimentos: o
de ciclistas, por conta de um grupo de amigos e amigas que anda de
bike pra lá e pra cá como principal meio de transporte; e o de
empoderamento feminino: um movimento maravilhoso que prega que as
mulheres podem fazer o que elas quiserem. Quer ser presidente de
empresa? Pode. Quer ser dona de casa? Pode também. Quer começar seu
próprio negócio? Pode super. É a ideia maluca de que mulher é um ser
humano normal e assim como o homem tem todos os direitos do mundo.

Parece óbvio, mas não é: mulheres são diminuídas e objetificadas o
tempo todo. Da cantada de rua até a avó perguntando quando você vai se
casar, do chefe que prefere promover um cara porque “não tem tpm” até
as capas de revista com mulheres magras/loiras/sem um poro na pele,
tudo isso faz a gente se sentir incapaz, ou feia, ou sei lá o quê. E
eu fico doida da vida com isso.

Aí a Avon me convidou pra um evento onde eu iria ganhar uma bicicleta
rosa. E por um acaso, a Avon é uma empresa linda que prega MUITO o
empoderamento feminino. Há 130 anos as mulheres vendem Avon e ganham sua própria renda, e isso faz com que elas se sintam mais fortes e
capazes. E muitas vezes é um primeiro passo pra que elas possa sair de
relacionamentos nocivos. O convite foi perfeito: eu ia participar de
um movimento de mulheres fortes e ainda ia ter minha linda bici rosa
com cestinha.

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No domingo, acordei super cedo e fomos pro Ibira. Um MAR de mulheres
de camisa rosa, lindas, de todas as idades, familias, grupos de
amigas. Todas juntas num passeio super gostoso, 5 quilometros planos,
pra todo mundo poder participar. Tava tudo muito lindo, de verdade.
Teve sorteio de brinde, teve massagem, teve tanta coisa bacana que
esqueci que tinha acordado tão cedo. Encontrei amigas queridas e
conheci mulheres legais e voltei pra casa com um sorriso na cara,
feliz por fazer parte de um momento tão maravilhoso.

E agora, eu e a Sally (minha bicicleta nova e rosa e linda) vamos dar
altos rolês por aí. E eu tô muito, muito feliz. ❤

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Tatá, a demônia

Estava conversando com um amigo sobre como é difícil dançar com um demônio em cima de suas costas. Sim, foi por causa da música da Florence que eu falei isso. Sim, eu sou um clichê ambulante e uso músicas pra expressar meus sentimentos. Não encham.

FLORENCE

Bom, eu tava ali falando sobre como eu tô aqui sentindo os demônios sassaricando no meu ombro e sussurrando coisas esquisitas pra mim, e meu amigo, que é escritor, falou que o demônio dele parece o Michael Jackson: dança, chuta, vira pantera e uiva na cabeça dele. E com essa descrição eu consegui olhar pro meu demônio e ver como ele era.

O meu demônio parece a Talita. A Talita estudou comigo na escola, no antigo ginásio, aquelas séries entre o primário e o colegial, aqueles anos esquisitos onde você não é criança exatamente, mas ainda faltam uns anos pra você ser um adolescente de fato. Anos onde crescem peitos, vozes engrossam, seus braços e pernas crescem desordenadamente e você tem a graciosidade de um pelicano de maneira geral.

Bom, a Talita era da minha classe, mas era uma cabeça e meia maior que eu. Não que isso seja exatamente raro, do alto do meu metro-e-cinquenta-e-pouco, mas até então era todo mundo meio que do mesmo tamanho, mas a Talita cresceu e eu não.

Eu morria de medo de fazer aula de educação física e jogar contra a Talita, porque ela me batia em campo com o desprendimento de um Serginho Chulapa em direção ao gol. Incontáveis cotoveladas, empurrões e dribles monumentais causavam em mim um sentimento geral de pavor quando ela se aproximava.

E quando eu era sorteada e caía no mesmo time que ela, eu também tinha medo: tinha (e tenho!) o a coordenação motora de um hipopótamo embriadgado, com a compleição física de um esquilo barrigudinho, e minha afinidade com o esporte sempre foi mais de assistir e entender do que saber praticar alguma coisa. Esportes com acessórios como bolas, raquetes e afins são praticamente impossíveis para mim. E a Talita, sabendo disso, ficava esperando que eu errasse o passe ou o arremesso para brigar comigo e me mandar sair da quadra.

volei

Imagem ilustrativa de euzinha praticando esportes coletivos com bola

Eu tinha paúra dessa menina. E não me entenda mal: ela não era má pessoa, eu acho. Mas em quadra, se transformava em um monstro, um demônio determinado a vencer a qualquer custo. Não sei que fim levou a Talita e não me lembro do sobrenome dela para procurar nas redes sociais por aí, mas se fosse apostar, colocaria minhas fichas em “Presidente de Investimentos de Risco” em um banco ou “Diretora de Negócios” em uma multinacional ou algo assim. Talita certamente VENCEU na profissão.

E eu apanhei durante uns anos. O lado bom é que fiquei mais forte a acabava entrando em quadra com medo mesmo (obrigada pela professora, claro) e aprendi a sobreviver a isso. O lado ruim é que a Talita-Demônio ainda mora aqui comigo.

Quando fico insegura é a voz dela que eu ouço dizendo que sou ruim, incapaz, uma porcaria mesmo. E olha, eu vivo insegura. Essa pose de mulher forte é balela, não se enganem: eu sou mesmo uma tonta.

E aí quando aparece uma coisa boa e eu penso “Olha, uma coisa BOA”, lá vem a voz de Tatá dizendo “não confia não que você não sabe fazer isso aí, você já se ferrou mais de uma vez, tá pensando o quê?”

Porque Tatá (somos íntimas, posso chamar ela assim depois de 30 anos ouvindo a voz dela) foi aos poucos se expandindo de uma capetinha que me deixava insegura na aula de handebol pra uma verdadeira demônia full-time, capaz de me cutucar e abalar em qualquer coisa.

E como é difícil dançar quando Tatá está sentada nas minhas costas, rindo de mim, me apontando o dedo. E a bicha não sai, encaixada nos meus ombros bem firme e gritando alto nos meus ouvidos sobre como eu vou falhar de novo.

Prometi pro meu amigo que ia tentar dançar com Talita e tudo. Se ela não vai sair, eu é que tenho que aprender a equilibrá-la, com ajuda dele e de mais uma meia dúzia de três ou quatro pessoas que já estão até usando seus dancin’ shoes a essa hora, de tanto que gostam de mim e querem me dar uma força. E vou aprender a dançar, se é esse o jeito.

Mas ai, Tatá. Você podia ir embora, pra eu nunca mais ver seus cachinhos loiros e seu nariz sardento. Minha vida ia ser bem mais fácil sem sua voz ardida me enchendo o saco. Xô, Tatá. Vai lá comprar uma empresa qualquer e ficar mais milionária e me deixa aqui no cantinho em paz.

Apelo aos Palestrinos

Queridos torcedores do Palmeiras, eu moro pertinho do estádio. Uns 300 metros de distância, na real. E moro na região há tempos, e adoro morar ali. O bairro é legal, tem tudo pertinho, tem metrô próximo, é uma beleza mesmo.

E tem o estádio. Pelo menos uma vez por semana tem jogo do Palmeiras por lá, e eu aprendi a me adaptar Fico de olho na tabela, pois sei que quando tem jogo preciso evitar alguns caminhos de carro, e dou a volta. Evito sair à pé na hora da saída do jogo, que muitas vezes tem confusão, mas ando a pé antes do jogo numa boa, e os torcedores que se espalham ali pelas ruas nunca me importunaram. Ao contrário.

Quando passo por eles enquanto eles fazem churrasco na calçada ou bebem cerveja do isopor, eles discutem a estratégia, xingam o técnico ou algum jogador, falam mal do adversário, dão risada. E nunca falam gracinha pra mim: é como se ali fosse território sagrado, dedicado ao Palmeiras. É gostoso ver o amor pelo time, e vejo na maioria dos torcedores o respeito pelo bairro: as cervejas bebidas acabam em sacos de lixo, ou de volta pro isopor, o churrasco termina com tudo razoavelmente limpo. Foi até uma surpresa pra mim: achava que os caras iam deixar tudo sujo por serem um monte de homens torcedores de futebol, e não é o que acontece.

Eu escolhi morar ali e sabia que ia ter esses inconvenientes de trânsito em dias de jogo no Palestra. Aliás, mesmo em dia que o jogo é fora, a moçada fecha uma quadra da Caraibas, e tudo bem: é só dar a volta, evitar aquele pedacinho. É só uma quadra, e trânsito em São Paulo não é exatamente uma novidade.

Da minha janela ouço a comemoração e o desapontamento da torcida, ouço os gritos e as músicas, sinto a alegria do torcedor em estar ali, apoiando seu time. Vejo as filas que se formam cedinho na bilheteria, vejo os bares colocando bandeira na janela. Eu gosto de morar perto do estádio, essa é a verdade. É uma emoção bonita pra qualquer um que goste de futebol.

Só duas coisas me incomodam profundamente: A primeira, muito óbvia é quando tem confronto com a polícia. É muito horrível ver a galera levando borrachada e bomba de efeito moral sendo soltada na rua. É assustador ver as pessoas machucadas. Acho que a violência no estádio até diminuiu nos últimos anos, mas ainda existe e é horrível de se ver, impotente, da janela.

A segunda coisa ruim é quando a festa na rua passa do limite. E olha, meus limites são flexíveis pra caramba. Pode fechar a rua, pode cantar, pode ficar até tarde na rua que não me incomodo. Mas peço um enorme favor: não soltem rojão depois da meia noite. Olha que razoável: pode soltar antes, mas parem à meia noite, por favor. Quando tem vitória importante, é bem comum os fogos avançarem noite afora, até 3, 4 da manhã. E isso é horrível, porque impede os vizinhos de dormir, sendo que dia seguinte geralmente é dia útil. É um bairro normal, moram famílias com crianças, pessoas de idade… Respeitem essas famílias, amigos palmeirenses. Comemorem, celebrem, mas por favor, não soltem rojão até tarde. Isso é muito ruim – e só serve pra criar resistência contra a torcida na rua.

No dia do centenário, a comemoração foi até 4 da manhã e só parou com a chegada de vários carros de polícia. E aí, claro, deu confusão com a polícia, porque eles não chegam dialogando, e sim empurrando, batendo, sei lá o quê. Foi bem ruim ver isso acontecer.

Então eu peço essa coisa simples: parem com os rojões de madrugada. Continuem com a festa, o churrasco, a cerveja, as discussões sobre estratégia. Só parem com os fogos de madrugada, por favor.

E boa sorte no jogo hoje. Nunca torci pelo Palmeiras, mas ver a felicidade de vocês aqui na porta acaba me deixando feliz também.

 

Cansa, sim.

Uma vez fiz um post contando que eu estava cansada de ser feminista. Cansada de guerra, de briga, de apanhar virtualmente, de ser xingada, menosprezada, acusada de ser mal-amada, mal-comida e o que quer que isso signifique.

Cansa mesmo.

Mas aí eu leio notícias como essa e meu coração fica quentinho demais.

Campanhas feministas na internet aumentam número de denúncias no 180

(aqui tem os dados todos, em números)

É lindo ver como os esforços que a gente faz rendem alguma coisa. É bonito quando abre uma janelinha ali no meu facebook e alguma mulher vem conversar comigo: me contar sobre algo que está vivendo, pedir um conselho, relatar uma vitória. Eu já chorei lendo e ouvindo relatos, já fiquei brava demais, já tive ganas de voar no pescoço de alguns caras, já dei risadas. Mas eu só ouço, abraço, ofereço um colo e um ouvido pra essas mulheres.

E uso a voz que tenho pra falar. Repito, explico, sou paciente, tento ser educada (consigo na maior parte do tempo, embora escorregue de vez em quando e mande palavrões eventuais). Mas sinto que é pra isso que tô aqui: respirar, sorrir e explicar quantas vezes forem necessárias que não, não é exagero nem mimimi; que não existe mulher pra pegar/mulher pra casar; que o short da menina é do tamanho que ela quiser; que legalizar o aborto é essencial pra garantir a saúde da mulher e que legalizar é diferente de obrigar a fazer ou achar que aborto é super legal; que mulher pode ser presidente de empresa ou mãe em tempo integral, se ela puder escolher; que ninguém tem nada a ver com o que uma mulher faz ou deixa de fazer quando transa com alguém, que compartilhar nude sem permissão no whatsapp é errado, e assim por diante.

Eu me repito muitas vezes, eu falo a mesma coisa muitas vezes. É um trabalho pequenininho, construído aos pouquinhos, e que já me causou dor de cabeça, transtornos e me deixou à beira da exaustão. Mas nunca mais eu quero calar minha boquinha, principalmente depois que percebi que quando eu não me calo, outras mulheres não se calam comigo.

Agradeço a todas as mulheres que estão e estiveram comigo nessa jornada comprida. Juntas somos mais fortes. 🙂

Esses dias eu tenho acordado felizinha. Não aconteceu nada de mais, de verdade. Mas eu levanto e saio da cama ouvindo Lisztomania dentro da minha cabeça e aí tenho um dia legalzinho.

Apesar do calor. Esse calor não é de deus, não dá pra viver, não tem como ser digna nesse calor.

É como se ultimamente na minha vida as coisas viessem se encaixando; como se de repente as pecinhas estivessem se enfileirando,  engrenagens rodando, clac clac clac. E é um pouco estranho, porque eu fiquei tanto tempo achando tudo tão ruim e esquisito e triste, que de repente dá vontade de chorar ao estar em casa com a gata no colo e me sentir tão bem, a troco de nada.

Continuo sem grana, tô cada dia mais velha, não emagreço mais nada a despeito do esforço da dieta, minha casa tá sempre precisando de alguma coisa a mais, eu continuo solteira, mas parece que tá tudo bem. Como é esquisito estar tudo bem.

Apesar do calor. Apesar do calor, tá tudo bem.

Preciso me acostumar com isso, com esse shuffle de bom humor tocando música legal sem parar dentro da minha cabeça. É gostoso aqui. Agora mesmo tava tocando The Who.

Vai ver é a primavera, pode ser que seja o clima. É época de renascer, recomeçar, botar as florzinhas pra fora, esticar os galhinhos no sol. Pode ser um ciclo que se fechou e a vida que se encaixou direitinho.

Apesar de certamente não ser o calor. Esse, já sabemos: tá horrível.

Mas eu tô na rua de vestido. E essa é a parte legal.

Fraldas, Frango Assado e Batatas Coradas.

Esses dias uma moça me pediu pra comprar um pacote de fraldas pra ela na porta do Pão de Açúcar. Uma senhora falou “Cuidado, isso é golpe, ela vende as fraldas depois” e eu fiquei meio confusa: como alguém que tem uma criança pequena no braço vende as fraldas? O filho dela faz xixi aonde, senão nessas fraldas caríssimas que ela ganha de clientes do mercado?

Entrei na loja com a pulga atrás da orelha, peguei as coisas que precisava, zanzei pelos corredores. Acabei na frente da gôndola de fraldas, dei de ombros e peguei um pacote de fralda barata e um de lencinho umedecido, porque imaginei que trocar e limpar a criança na rua deve ser difícil. Já perto do caixa senti cheiro de frango assado e botei na cesta uma bandejinha de frango e uma de batatas coradas.

Paguei caro, mesmo sendo a mais barata das fraldas (nunca lembro como fralda é cara, minha nossa) e entreguei pra ela na saída, avisando que tinha também um franguinho pro almoço, além da fralda. Sem que desse tempo de pensar, a moça me abraçou, meio esmagando meus braços que carregavam as sacolas, meio apertando o filho junto, que começou a chorar, a moça chorou, eu chorei, aí eu ri, ela riu, e o moleque continuou chorando porque criança não sabe muito bem que tem coisa que dá pra chorar e rir logo depois.

Pode ser que a moça tenha vendido as fraldas, mas tenho certeza que ela gostou muito do frango assado.

E aí fui trabalhar porque a fralda tá cara pra caramba mesmo.

Escrever É Músculo E Os Meus Estão Claramente Flácidos. 

Estou há alguns meses trabalhando em uma agência onde além de planejamento semi-assumi a função de redatora. A grosso modo, isso quer dizer que sou responsável por textos que vão para o cliente. Ou seja, agora eu tenho que escrever pra ganhar meu salário no fim do mês. E aí escrevo como o cliente gosta, daquele jeitinho mesmo que vai caber no modelo da firma, da maneira que reflete o posicionamento de marca.

E nossa, isso é horroroso.

Eu devia ter vergonha de escrever assim. Eu sou muito melhor escrevendo sobre corações partidos, dias na praia, perseguições por animais ferozes (um ganso e uma vaca, em momentos diferentes da vida), invasões alienígenas (quando uma mariposa entrou em casa) ou mesmo sobre publicidade, sobre minha cidade, sobre almoço e janta, sei lá.

Escrever é exercitar um músculo e essa acomodação de só escrever o que vai ser aprovado me deixou preguiçosa e um tanto quanto flácida. Vou começar a levantar peso de novo.

Peçam posts, sugiram temas. Eu escrevo. Vamos ver se assim a coisa vai.

Chocolate, medo do fracasso e skate

Tô sem comer chocolate desde o carnaval.

E sem carne vermelha.

Sem refrigerante.

Sem bebida alcoólica.

Não, não tem sido uma morte horrível. Essa semana sonhei com uma bisteca suculenta, mas o desejo veio e passou logo depois. O mais sofrido de tudo isso, sem dúvida, é o chocolate. Comprei um ovo do Star Wars e não abri. Me oferecem trufas e pedaços de chocolate e não como. Esses dias vi um perfeito pudim de chocolate e sorri maniacamente enquanto o garçom falava o quanto ele era saboroso. Mas não comi.

Eu acho engraçado quando encontro essa força de vontade dentro de mim. É estranho pensar que eu CONSIGO fazer alguma coisa assim. Passei boa parte da vida achando que não conseguia fazer muita coisa, com medo de tentar e falhar. Eu me cobro demais, morro de medo de fracassar e depois ter que encarar meu fracasso.

Acho que por isso nunca tentei aprender a andar de skate ou surfar de verdade. Nunca tentei aprender a tocar um instrumento de verdade. São coisas que eu acho muito bonitas e me vejo incapaz de fazer, e por medo de descobrir com certeza que sou incapaz de fazer, nem tento.

Será que um dia, depois dos 40 anos, vou conseguir subir numa tabuinha de madeira e deslizar sobre rodinhas? Alguém em sã consciência anda de skate depois dos 40? Por que eu tô subitamente preocupada com skate? Será que foi porque li sobre a Cara-Beth Burnside?

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Talvez eu queira mesmo é comer um chocolate.

Talvez eu queira mesmo é ir pra praia sentir um pouco de sol no corpo. Ou voltar a correr com regularidade. Ou fazer aula de skate, mesmo.

Ou não fazer 38 anos esse ano, porque trinta e oito, trin-ta-e-oi-to é muito idade de senhora. De mulher adulta e crescida que toma as próprias decisões. Eu por outro lado quando posso tomar decisões decido usar uma camiseta pink de cavalinhos. Ou compro livros ou um sapato que não preciso. E flores, eu sempre compro flores.

Comprar flores é uma boa decisão, na verdade. Não vou parar de comprar flores.

Mas talvez decida parar de comer carne de vez.

Usando cardigans

Durante algum tempo tive um relacionamento com um cara que só gostava do meu cabelo de um jeito: liso, comprido e solto. Reclamava se eu prendia ou dizia que ia cortar. Reclamava se eu dizia que ia mudar a cor.

Ele também achava que eu era um pouco chamativa demais; que ria alto demais; que tinha amigos demais; que me expunha demais; que usava decote demais; que aparecia demais. E ele odiava quando usava cardigans, por algum motivo que jamais entendi.

E eu, tonta que sou, mantive meu cabelo liso, solto e comprido por tempo demais. E baixei a voz e a risada, e tentei ser um pouco menos. E funcionou por um tempo, mas não pra sempre – raras vezes funciona pra sempre tentar ser quem você não é.

Porque eu sou fabulosa, gente.

fabulous

Hoje eu saí de casa com o cabelo trançado e preso num rabo de cavalo todo armado. E tô de cardigan ESTAMPADO. Eu amo cardigans e amo decote e amo rir e amo amigos e amo ser quem eu sou.  E nunca, nunquinha mais eu vou deixar que alguém interfira na minha vida assim. Senão, quando acaba (e sempre acaba se é nesse formato), eu fico muito destruída porque vivia em função do outro. É como se a me perdesse de mim e não soubesse nunca mais voltar pra casa que sou eu. Essa entrega absurda, esse desejo de agradar o outro, essa vontade de ser o que o outro espera de nós: isso não é amor, mesmo que pareça e que livros e filmes tenham feito a gente acreditar nisso.

Amor, antes de tudo, é amar a si. Depois é que conseguimos amar outra pessoa: quando estamos tão bem em nossa própria pele que somos amados exatamente por quem somos. Não há desejo de mudar o outro, nem de mudar a si pra se adaptar ao outro. É aceitar quem a outra pessoa é e desejar estar perto dela exatamente assim.

Amor é equilíbrio. Se há anulação em função do outro o tempo todo, se constrói uma relação dependente, não-saudável, onde um dos lados vive em constante infelicidade tentando se adequar e o outro em constante infelicidade por não conseguir amar alguém diferente do que imagina que deseja.

Mais fácil terminar. Quer dizer: terminar jamais é fácil. É doloroso, é assustador. A perspectiva de abrir mão de quem se supõe amar é terrivelmente doída. E pensar na solidão que vem depois é ainda mais doloroso. Por isso muitas pessoas emendam relacionamentos e repetem os mesmos erros. É a mulher que diz que todo homem não presta porque a trai ou o homem que diz que toda mulher perde a atração depois de um tempo. Essas pessoas não estão felizes e preferem a infelicidade ao lado de alguém do que a paz e a solidão temporária.

É uma escolha, suponho. Nesse momento de vida eu escolhi usar meus cardigans e prender o cabelo. E tá dando tão certo que tá até ficando bonito. 🙂